quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O mundo

Matheus acordou naquele domingo. Cedo.
O relógio da cozinha não marcava muito além das nove da manhã.
Era um domingo um tanto diferente, o dia do aniversário de sua mãe.
Uma pequena mudança de caminho antes de chegar à casa dela.
Como havia prometido, iria passar para comprar as entradas de um filme que muito a interessava, um filme nacional, Chico Xavier.
Ao chegar no shopping, dá de cara, não muito hiperbolicamente, com uma fila quilométrica.
Susto.
Se dirigiu em figura impressionada até um segurança, que lutava para tentar manter a organização no caos que se formava alí.
- Por favor, o que acontece aqui? Esta é a fila do cinema? - apontou para a fila, esperando uma resposta negativa.
- É sim, senhor. É que hoje é a pré-estréia do novo filme Tropa de Elite. - Respondeu o segurança com um olhar perdido e agoniado em meio ao mar de gente que se amontoava na fila.
Matheus parou.
Olhou. Olhou mais um pouco e desistiu.
E em longos passos para fugir o quanto antes daquele lugar, pensava dentro dele como explicaria para a mãe que não conseguiu comprar as entradas.
Não seria tão difícil, afinal de contas, ele tinha um plano B. Ele sempre tinha!
Entrou no carro, suspirou de alívio e seguiu até o destino final: A casa de sua mãe.
Dentro do carro havia seus pertences, uma embalagem com um livro de presente para sua mãe e no rádio tocava uma música qualquer.
Aos metros quadrados que ele passava, percebia naquele feriado, a rua um pouco mais tranquila.
Faltava uns 5 minutos para chega até a casa.
Parado em um sinal, pelo retrovisor conseguiu enxergar uma moto rapidamente parar ao seu lado.
Uma arma.
Encostada no vidro.
E em seguida um grito: - Abre o vidro e passa o que tiver! - gritou o ladrão com o capacete fechado e uma película que impossibilitava o reconhecimento de seu rosto.
Matheus assustado e sem nenhum receio, obviamente, pegou rapidamente tudo aquilo que havia dentro do carro.
Sua carteira, seu celular, sua mala com um notebook, alguns papéis de trabalho e até mesmo um pacote do presentinho singelo que pedia pra ficar. Entregou tudo. Até a chave do carro ofereceu.
- Esse relógio também, 'bora bora'! - Na agonia e no medo, o ladrão pediu novamente.
Matheus entregou.
Nessa hora, para a própria surpresa. O ladrão agiu com um descontrole.
Quando viu o tanto de coisa e cardápio variado que não poderia segurar com a mão, jogou violentamente o pacote com o livro na cara de Matheus.
O livro bateu machucando o canto de seu olho esquerdo e caiu no chão.
O papel foi se rasgando e revelando a capa do livro que havia dentro dele.
Por que logo o livro? - pensou ele.
Matheus olhou para baixo, olhou para um lado e para o outro e sem muita saída, tomou uma atitude não muito diferente. Seguiu em frente.
Por ironia do destino, na rádio tocava uma música: O mundo.

E o livro?
Era um livro de Machado de Assis.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Na medida de você.

Eu tô daqui de cima.
tô tentando te enxergar,
mas você tá muito raso
perigoso vai ficar.

Você invadiu o meu estar
sem ter pena, veio assim
entrou e rasgou tudo
que trilhava dentro de mim

Eu tentei hoje e ontem
vou tentar mais um vez
te afogar na solidão
e não quero nem ter vez

E o pior é que nem sabe
a cicatriz qualquer que criou
devagar me fez refém
de um louco e velho amor

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Chão de nada.

Um dos assuntos mais falados do dia é o Orgulho de ser nordestino, que foi desencadeado mais uma vez por causa do circo que teve a sua segunda apresentação ontem. As eleições.
Há sempre uma forma mais esclarecedora de se considerar nordestino, mas eu vou muito além disso.
Tenho uma concepção bastante diferente do que já é entendido. Ainda bem.

Para ser nordestino não é preciso só pisar nesse chão e ter registro no nascimento, ter dois pés aqui nessa terra não significa ser nordestino.
Nordestino que se preza, ultrapassa as fronteiras, mas carrega no sangue, na raça e na careta esse nosso jeito de ser.

Ora, mas por que será que para alguns é tão difícil aceitar o fato de nós, nordestinos, termos tanto orgulho de nossa raíz?
Não está no voto, nem na careta e nem no orgulho.
O problema dessa aceitação é construído da mesma forma que é tão difícil aceitar DIFERENÇAS no mundo de hoje.
Do mesmo jeito que é tão difícil se encontrar respeito no mapa-múndi.
Do mesmo jeito que é tão difícil se encontrar valores coletivos chegando no topo.

No campo da hipocresia e em nome da contradição, o xenofobismo anda lado-a-lado com a exigência de respeito. Mas peraí, como exigir respeito sem auto-respeito?
- O auto-respeito começa quando você se permite a aceitar essas diferenças.
Em uma sociedade cega e ingorante, o tapa-olho se sobrepõe a própria moral.

E veja só em que nível esses tais chegaram.

Argumento é sotaque.
Batuque? é só um adendo.
Caráter ninguém consegue ver
mas o 'ôxe' tá todo mundo vendo.